1. Introdução
Os Tratados Bilaterais de Investimento (TBIs), são um conjunto de normas que regulamentam os investimentos estrangeiros privados de um país em outro. O objetivo do TBI é prover a segurança desejável a investidores externos para estimular a entrada de Investimento Externo Directo (IED).
Em 1959 foi assinado o primeiro TBI, no seu formato actual, entre a Alemanha Ocidental e o Paquistão. Inicialmente, os TBIs eram ratificados entre países exportadores de capital (países desenvolvidos) e países importadores de capital (países em desenvolvimento). O interesse do país desenvolvido no TBI era garantir segurança jurídica adicional para os investimentos de suas empresas além do que era oferecido pelas leis do país em desenvolvimento, cuja motivação em participar do TBI era utilizar o acordo como meio de atrair mais investidores externos.
Moçambique, como um país em desenvolvimento, também celebrou diversos TBIs, a partir da década de 1990, após falhar a ideologia política adoptada pelo Governo de transição Pós-Independência, neste caso, a ideologia da autossuficiência económica do país, através da produção agrícola, aproveitamento das indústrias nacionalizadas e a exploração dos recursos naturais.
Para melhor entendimento da experiência de Moçambique na celebração de TBIs, o presente artigo será dividido em quatro capítulos, além da introdução, nomeadamente: Contexto Histórico da Reforma Económica de Moçambique, para celebração de TBIs; TBIs em que Moçambique é Parte; Benefícios que Estado Moçambicano colheu com os TBIs em vigor; e Conclusões.
2. Contexto Histórico da Reforma Económica de Moçambique, para celebração de TBIs
Após a independência de Moçambique, no ano de 1975, uma das primeiras medidas adoptadas pelo Governo que assumiu o poder, na altura presidido pelo Marechal Samora Moisés Machel, foi a centralização da economia, através da intervenção directa do Estado na actividade económica (fruto da ideologia marxista de desenvolvimento socialista de Karl Marx e Friedrich Engels), com a nacionalização das indústrias privadas e adopção de políticas económico-sociais, que não eram atrativas ao investimento privado, quer nacional, quer internacional.
Resultado foi que na década de 1980, Moçambique registou uma crise econômica e social severa, resultado do fracasso das estratégias de desenvolvimento socialistas adotados após a independência e da guerra civil que assolava o país até então, causada pelo conflito armado entre o Governo, dirigido pelo único partido reconhecido, neste caso, FRELIMO (Frente de Libertação Nacional de Moçambique) e a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique), que dentre as suas agendas, exigia o multipartidarismo.
O Governo dirigido pelo Presidente Samora Moisés Machel, ao aperceber-se do fracasso da ideologia de autossuficiência económica do país e, pressionado a nível interno e externo a receber ajuda alimentar para superar a crise económica e as consequências da guerra e das calamidades naturais que assolavam o país, se viu obrigado a adoptar políticas externas, sendo que uma dessas políticas era virada para capitalização de investimento estrangeiro, com a aprovação da Lei n.º 4/84 de 18 de Agosto (Lei de Investimento Estrangeiro).
Este seria o grande marco para Moçambique celebrar TBIs, porque estava a dar os primeiros passos para o fim da ideologia marxista (de economia centralizada no Governo), para o início da era de uma economia liberal. No entanto, a realidade que o país se encontrava a ultrapassar, neste caso, a guerra civil (que também era designada como “guerra de desestabilização”, cujo objectivo da RENAMO era de inviabilizar a governação da FRELIMO a todo custo, com destruição de cultivos agrícolas, indústrias, hospitais e várias infraestruturas nacionais), não transmitiam segurança aos investidores estrangeiros para apostarem em Moçambique.
Logo após a morte do primeiro Presidente de Moçambique, o Marechal Samora Moisés Machel, em 1986, o seu sucessor, o Presidente Joaquim Alberto Chissano, decidiu adoptar reformas económicas significativas no país. Para o efeito, aderiu o auxílio das instituições de Bretton Woods, neste caso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (que são as instituições estrangeiras que mais financiam economias em vias de desenvolvimento a nível mundial), mudou a ideologia marxista, para ideologia capitalista, descentralizando o papel do Estado como interveniente directo na actividade económica, passando assim para uma economia aberta, criando reformas económicas expectantes para o desenvolvimento do país.
Essas reformas económicas eram postas em prática através de um projecto denominado “Programa de Reabilitação Econômica (PRE)”, que tinha como objetivo debater a grave crise econômica e social que o pais atravessava. No entanto, a persistência da guerra civil, que gerava um influxo de recursos externos para dar conta da fraca capacidade do Estado existente e dos graves problemas sociais provocados pela guerra (entre os quais a fome), não foram suficientes para garantir um sucesso expressivo da PRE, oriundos da incapacidade do governo de conciliar as estratégias dos atores internos e externos, durante o processo de implementação das reformas econômicas.
Situação essa que veio a mudar, na década de 1990, com a transição política anteriormente iniciada, onde se destaca a introdução de uma Constituição pluralista e a emergência de um processo de descentralização política e administrativa, assim como o fim da Guerra Civil que resistiu por longos 16 (dezasseis) anos, através da assinatura do Acordo de Paz entre os representantes da FRELIMO e da RENAMO.
Com Moçambique em paz e o Governo no poder na altura, com o objectivo de melhorar o quadro económico-social do país, deste vez com um pacote de reformas económicas viradas totalmente para economia liberal, eis que no ano de 1993, o Governo Moçambicano revogou a Lei n.º 4/84 de 18 de Agosto, que se mostrava desajustada ao novo pacote de reformas económicas recentemente adoptadas, por um lado, e por outro, pretender conciliar o novo quadro jurídico sobre investimento estrangeiro ás regras da Convenção de Washington, de 15 de Março de 1965 (ratificado através da Resolução n.º 10/92 de 25 de Setembro), que institui as regras e o Centro Internacional para a resolução de diferendos relativos a investimentos entre Estados contratantes da referida Convenção e nacionais de outros Estados também membros desta Convenção e, na sequência da revogação Lei mencionado retra, tendo aprovado a Lei n.º 3/93 de 24 de Junho (Lei de Investimentos).
Com a aprovação da Lei n.º 3/93 de 24 de Junho, Moçambique ampliou as garantias de protecção dos direitos de propriedade dos investidores estrangeiros, com o destaque para a inclusão dos direitos de propriedade industrial, que nos dias actuais, é um dos factores preliminares para um investidor estrangeiro investir num país.
Com as garantias constantes da Lei n.º 3/93 de 24 de Junho, a segurança e estabilidade do território Moçambicano (originado com o fim da Guerra Civil), abriu-se espaço para Moçambique celebrar vários TBIs, como veremos no próximo capítulo.
3. TBIs em que Moçambique é Parte
Com o fim da Guerra Civil e logo após a aprovação da Constituição Moçambicana de 1990, o Governo Moçambicano celebrou o seu primeiro TBI, neste caso, um Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimento com a República do Zimbabué.
A celebração do acordo retro, era um sinal verde para os demais Estados, de que Moçambique, estava aberto para a celebração de TBIs. Mas, para que Moçambique fosse ainda mais apetecível aos demais países, não bastava apenas o término da guerra civil, ou seja, a segurança física do investidor estrangeiro no território nacional, mas também a segurança jurídica do investidor estrangeiro, de que os seus direitos, tal como reconhecidos pelas convenções internacionais, estariam salvaguardados em território Moçambicano. Dai que Moçambique, porque pretendia reunir todas as condições para capitalizar o investimento estrangeiro, aderiu a Convenção de Washington, de 15 de Março de 1965, ratificado através da Resolução n.º 10/92 de 25 de Setembro e aprovou a Lei n.º 3/93 de 24 de Junho, que tornaram-se instrumentos jurídicos chaves, para transmitir a tão almejada segurança jurídica para o investidor estrangeiro.
Facto é, que após aprovação dos instrumentos jurídicos mencionados retro, foi que Moçambique passou a celebrar diversos TBIs, conforme se verifica na tabela abaixo:
O objectivo do TBIs assinados pelo Governo Moçambicano é de fomentar e proteger os investidores estrangeiros do Estado de outra Parte Contratante sempre que estes investem em Moçambique ou sempre que os cidadãos moçambicanos investem no território da outra Parte Contratante.
Todos os TBI assinados por Moçambique incluem a disposição comum do princípio da "Nação Mais Favorecida", que estabelece que as Partes Contratantes estão proibidas de tratar de forma menos favorável aos investimentos realizados por um investidor estrangeiro do que os realizados por investidores nacionais. Além disso, prevê-se que os investidores de cada Parte Contratante beneficiem sempre do tratamento mais favorável concedido por essa Parte Contratante a outra nação.
Este princípio protege todos os cidadãos das Partes Contratantes que assinaram um TBI com Moçambique e representa uma garantia de não discriminação.
Além da protecção do investidor e seu investimento, os TBI também estabelecem regras claras para a solução de litígios. A maioria dos TBI assinados por Moçambique estabelece que, em caso de litígio, as partes devem tentar resolvê-lo de forma amigável no prazo de seis meses a contar da data em que o litígio tenha surgido.
Acresce que, os TBI geralmente estipulam a renúncia das partes ao direito de exigir que todos os recursos internos administrativos ou judiciais sejam esgotados em primeiro lugar e que seja a escolha do investidor optar por submeter o litígio a entidades judiciais ou à arbitragem internacional conforme mencionado abaixo.
As duas regras mais comuns para a resolução de litígios são: (i) submissão do litígio ao Centro Internacional de Resolução de Disputas (ICSID) para a resolução arbitral nos termos da Convenção de Washington de 18 de Março de 1965 sobre a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos entre Estados e cidadãos de outros Estados; ou ii) arbitragem instituída em conformidade com as Normas de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas sobre a Lei do Comércio Internacional (UNCITRAL).
4. Benefícios que Estado Moçambicano colheu com os TBIs em vigor
Um princípio fundamental orientador dos TIBs é que estes trazem benefícios aos países contratantes, especialmente para um país em desenvolvimento, tal como Moçambique. Num contexto histórico, a utilização de TIBs proveu benefícios para o país, dos quais se podem destacar:
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Criação de Pilares produtivos – Moçambique tem um fraco sistema de justiça e de governação. Para incentivar investidores estrangeiros a realizar elevados investimentos é preciso garanti-los que os seus investimentos são protegidos. Os BITs foram concebidos justamente para este fim. Portanto, historicamente, os BITs ajudaram a criar pilares produtivos em Moçambique (por exemplo capacitação de capital humano e investimento em infraestruturas) que não estariam presentes sem dar protecção especial aos investidores;
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Atracção de IDE – os BITs materializam-se através de IDE, investimentos estes que trouxeram divisas ao país, depositadas no sistema financeiro. As divisas são utilizáveis para importações do sector privado, não só para os projectos dos IDE mas para toda a economia;
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Geração de emprego – O IDE tem o potencial de criar novos postos de trabalho no país receptor. Este é um efeito multiplicador que não resulta directamente da implementação de um BIT mas que está a critério do sector privado. Não se deve perder de vista que o investidor privado estrangeiro vem a Moçambique principalmente para fazer lucros e não para ajudar a resolver o problema de desemprego do país; e
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Criação de ligações com empresas nacionais – qualquer empresa estrangeira, mesmo quando importa temporariamente grande parte de equipamentos de produção, precisa de apoio de empresas nacionais. As condições oferecidas nos BITs ajudaram a trazer IDE que criaram ligações a montante e a jusante com empresas nacionais.
Naturalmente que podem existir outros benefícios que o Estado Moçambicano tenha colhido com os TBIs, sendo que os elencados acima são os mais relevantes.
- Emanuel Nhanombe, Advogado Associado da JLA Advogados -