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Promoção de um crescimento económico e sustentável em Moçambique

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O presente artigo é o terceiro de uma série de quatro, a serem lançados ao longo do ano, numa parceria entre a JLA Advogados e a Abreu Advogados especialmente dedicada às questões energéticas em Moçambique.

 

Ao longo deste ano iremos explorar o atual mercado moçambicano, as oportunidades do sector energético para Moçambique, o efeito do aumento da atividade no sector energético no crescimento económico, as respostas políticas às necessidades das populações e empresas moçambicanas e os caminhos para que Moçambique assuma uma posição de liderança no sector energético em África, concretizando o seu potencial.

 

 

O consumo de energia por habitante em Moçambique é muito baixo, baseando-se essencialmente na biomassa, devido à ausência de um abastecimento satisfatório e regular. Os produtos petrolíferos e a energia elétrica destinam-se maioritariamente ao uso industrial e aos transportes.

 

A madeira e os seus derivados são a fonte de energia mais comum utilizada pelos agregados familiares, especialmente nas zonas rurais. Contudo, a disponibilidade deste combustível está a diminuir rapidamente em determinadas zonas devido à sobre-exploração, o que consequentemente, obriga as mulheres e as crianças a percorrer distâncias maiores para proceder à sua recolha.

 

Além disso, o baixo rendimento calorífico da biomassa aumenta o custo da sua utilização por calor consumido. As más condições de combustão resultam não só num fraco rendimento calorífico, mas constituem, igualmente, um perigo para a saúde, contribuindo nomeadamente para a poluição indoor, a qual é responsável por uma fonte de doenças respiratórias graves.

 

De acordo, com os dados mais recentes, metade da população africana total não tem atualmente acesso a eletricidade. Inclusivamente, cerca de 920 milhões de pessoas estão privadas de cozinha limpa, sendo que este número poderá duplicar até 2025.

 

Para satisfazer a crescente procura de energia em África, é necessário que o investimento neste setor mais do que duplique ao longo desta década. Para tal, são necessários mais de 200 mil milhões de dólares por ano entre 2026 e 2030, sendo dois terços desse valor destinados à produção de energias limpas. [Energy Outlook 2023, da Agência Internacional de Energia – AIE].

 

Para que toda a população africana tenha acesso à eletricidade e à cozinha limpa é necessário um investimento de 25 mil milhões de dólares por ano – uma parte relativamente pequena do total de investimento previsto como necessário –, o qual equivale apenas a 1% do hodierno investimento mundial em energia.

 

A industrialização também impulsionará a procura de energia em África, prevendo-se que a produção industrial do continente cresça mais de 6% por ano até, pelo menos, 2025 [Global Energy Perspective 2022, McKinsey Energy Insights].

 

Apesar da vasta população de Moçambique, o país apresenta várias áreas de baixa densidade combinadas com a preponderância de habitantes rurais. Isto representa um grande constrangimento para o desenvolvimento de infraestruturas de eletricidade, na medida em que que se tornam muito dispendiosas. Por sua vez, tal limita as economias de escala.

 

Não obstante, será vital para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique, bem como, para prosseguir o alcance das metas e objetivos do Acordo de Paris, que o mesmo comece a satisfazer as suas necessidades com fontes de energia sustentáveis e eficientes em termos de custos.

 

A energia é, de facto, um fator chave para o aumento da riqueza e do crescimento inclusivo, o que não deixa, contudo, de provocar o surgimento de um velho dilema: o crescimento económico requer acesso à energia, mas o fornecimento de energia requer investimentos.

 

Neste seguimento, como é possível dar resposta às crescentes necessidades energéticas de Moçambique e combater a pobreza energética, ao mesmo tempo que se prossegue a transição para a produção sustentável de energia?

 

Os custos de oportunidade da falta de acesso à energia são enormes, os quais incluem repercussões negativas na agricultura, na saúde e na educação, bem como, originam a perda da realização de eventuais negócios. Todavia, com a adoção da estratégia correta, Moçambique poderá ultrapassar este grande obstáculo e os seus respetivos efeitos colaterais.

 

O potencial das mini-redes e micro-redes – o qual já foi previamente estudado nos artigos antecedentes – suscita o aumento da atividade económica local, o valor acrescentado dos produtos e serviços, a criação de emprego e o reforço da igualdade de género.

 

A procura de eletricidade por parte de pequenas indústrias e empresas é um fator chave para o sucesso. De facto, os utilizadores produtores são uma parte importante do reforço dos impactos do desenvolvimento económico e social potenciados pelas micro-redes e pelos programas de eletrificação rural em geral.

 

Sem ligação e apoio a estes utilizadores, é provável que as micro-redes demonstrem dificuldades em aumentar a aceitação comercial local da eletricidade ou em atingir o nível crítico de vendas necessário para garantir a sua viabilidade financeira.

 

De acordo, com o princípio estrutural da política energética da União Europeia “Eficiência em primeiro lugar", é dada prioridade aos recursos do lado da procura sempre que, numa perspetiva social, sejam mais rentáveis do que os investimentos em infraestruturas energéticas para atingir os objetivos pretendidos.

 

Este princípio de decisão é sistematicamente aplicado a todos os níveis do planeamento de investimentos relacionados com a energia.

 

Ao avaliar a sustentabilidade, o crescimento económico e os investimentos de capital em energia para a conceção de políticas e mecanismos contratuais, podem ser encontradas algumas alternativas promissoras para, por um lado, responder às necessidades de Moçambique e por outro, combater a pobreza energética e promover a eficiência energética.

 

Um dos mecanismos disponíveis para este fim é o denominado Energy Savings Performance Contracting (doravante, ESPC), que já é comum nos mercados africanos, em particular, o modelo de Poupança Garantida.

 

Em poucas palavras, a abordagem ESPC fornece um mecanismo neutro em termos orçamentais, de modo a garantir o pagamento das atualizações energéticas de hoje com as poupanças energéticas de amanhã – sem recorrer a orçamentos de capital.

 

De acordo com este esquema, o Empreiteiro de Desempenho Energético (doravante, EPC) compromete-se a instalar o equipamento necessário, fornecer uma garantia de desempenho e estabelecer os termos de quaisquer pagamentos iniciais ou contínuos, que se destinam a ser inferiores às poupanças financeiras asseguradas pelo projeto.

 

Os dois mecanismos contratuais mais comuns são designados por (1) modelo de poupança partilhada ou (2) modelo de poupança garantida.

 

Dependendo da preferência do cliente e da possibilidade de acesso a capital próprio, o cliente, a Empresa de Serviços Energéticos (doravante, ESE), ou uma combinação dos dois, podem ser responsáveis por assegurar o financiamento do projeto. Um contrato de empréstimo direto com um terceiro credor é também uma opção para ambas as partes.

 

Vários fatores contribuem para a escolha de um modelo contratual em detrimento de outro. No entanto, quando uma ESE não tem capacidade para conceder empréstimos, pode recorrer ao modelo de poupança garantida, em que o cliente é responsável pelo financiamento do projeto.

 

Na modalidade de Poupança Garantida do Contrato de Desempenho Energético, a ESE garante a poupança na fatura energética do cliente.

 

A ESE assume o risco técnico, enquanto o cliente obtém um empréstimo bancário ou utiliza o seu próprio capital para pagar as taxas contratualmente determinadas à ESE e ao banco, ficando com a diferença.

 

Através do modelo de Poupança Partilhada do Contrato de Desempenho Energético, a ESE deverá fornecer o financiamento, assim como, os custos de desenvolvimento e de implementação do projeto, sendo as poupanças de energia partilhadas entre a ESE e o cliente durante o período do contrato.

 

Nesta situação, a ESE assume tanto o risco técnico como o risco de crédito do cliente, o que pode ser vantajoso para o cliente, uma vez que evita a necessidade de custos de capital iniciais, com pagamentos contínuos à ESE com base nas poupanças obtidas. O projeto estaria, portanto, fora do balanço.

 

Além disso, em resposta a uma incerteza associada ao desempenho das medidas de eficiência, as quais inibem o financiamento da eficiência energética por terceiros, surgiram os Seguros de Poupança de Energia (doravante, ESI) para reduzir o risco de um projeto de eficiência energética.

 

Os ESI são oferecidos por um pequeno número de instituições financeiras, empresas privadas e companhias de seguros, sendo particularmente úteis para as ESE ou para as empresas mais pequenas com crédito insuficiente, ou que não dispõem de meios para obter financiamento de terceiros.

 

A expansão dos ESI exigiria que mais fornecedores entrassem no mercado, aumentando a concorrência e a disponibilidade, o que também requer, em grande parte, uma compreensão generalizada dos riscos dos projetos de eficiência energética entre as seguradoras.

 

Normalmente, existem dois tipos de pacotes de seguro oferecidos pelas seguradoras: técnico e de crédito.

 

No pacote técnico, a seguradora cobre a ESE ou o fornecedor de tecnologia se as poupanças de energia prometidas não forem alcançadas, assumindo o risco técnico associado aos projetos de eficiência. No pacote de crédito, a seguradora assume o risco de crédito de um projeto, garantindo assim que os reembolsos devidos à ESE podem continuar a ser efetuados, no caso de incumprimento do crédito do cliente.

 

Por último, os governos estatais e locais podem implementar projetos de CPE nas suas próprias instalações, bem como promover e apoiar projetos de CPE através de programas de CPE. Podem também ser criadas entidades governamentais para servir o sector público, desenvolver a capacidade das ESCO privadas e facilitar o financiamento de projetos.

 

Os programas de CPE concebidos para envolver os clientes com as ESE podem aumentar a taxa de implementação de projetos e agregar projetos, reduzindo os custos de transação através da normalização.

 

Podem também incluir formação para gestores de projetos, que devem estar, neste âmbito, informados sobre o estado da indústria, conscientes das opções de financiamento e capazes de medir e verificar as poupanças de energia.

 

O ESPC é uma ferramenta promissora para aumentar a criação e a proliferação de projetos de eficiência energética sustentáveis e de longo prazo, que impliquem atualizações de equipamento energeticamente eficiente, melhorias de capital e alavancagem, poupanças de custos energéticos, reduções dos custos operacionais e dos riscos de futuros aumentos das tarifas dos serviços públicos, assim como, a resolução de problemas de manutenção diferida.

 

Como tal, a transição para um cabaz energético mais ecológico apresenta uma oportunidade significativa para desenvolver a indústria de CPE em Moçambique e aumentar o número de investidores que procuram desempenhar um papel significativo no apoio à transição para as energias renováveis e ao desenvolvimento da região.

 

A indústria energética pode ser ainda mais potenciada com base em serviços de micropagamentos, independentemente das limitações de acesso à Internet e de posse de telemóveis.

 

É possível um caminho que permita tanto o desenvolvimento económico local como a eficiência energética.

 

Moçambique deve, por tudo quanto foi exposto, promover ativamente esta agenda e utilizar todos os mecanismos financeiros e contratuais disponíveis para o acesso universal à energia e à redução da pobreza.

 

João Lupi, Senior Associate at Abreu Advogados

 

Bibliografia:

  • International Energy Agency (2022). Energy Outlook 2023

  • Global Energy Perspective 2022, McKinsey Energy Insights

  • Energy-Efficiency Opportunities in Sub-Saharan Africa Scaling Up Renewable Energy (SURE), (2022), United States Agency for International Development

  • Wenjie Zhang and Hongping Yuan (2019). Promoting Energy Performance Contracting for Achieving Urban Sustainability: What is the Research Trend?, ORCID

  • Commission Recommendation (EU) 2021/1749, on Energy Efficiency First: from principles to practice — Guidelines and examples for its implementation in decision-making in the energy sector and beyond, of 28 September 2021, Official Journal of the European Union, L 350/9

  • Energy Poverty in Africa, OECD Development Centre, Policy Insights Insights No. 8

  • Electrification on Small and Micro-Enterprises in Sub-Saharan Africa. Eschborn, Germany: EUEI PDF.

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