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Moçambique: a pedra preciosa energética de África

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Este artigo é o primeiro de uma série de quatro, a lançar ao longo do ano, numa parceria da JLA Advogados com a Abreu Advogados especialmente dedicada ao tema da energia em Moçambique e as suas potencialidades.

 

Ao longo do ano exploraremos o mercado atual de Moçambique, as oportunidades trazidas pelo setor energético para Moçambique, o efeito do crescimento da atividade no setor energético para o crescimento económico, as respostas às necessidades das populações e empresas de Moçambique, e o que está em falta para Moçambique assumir uma posição de liderança no setor energético em África, cumprindo aquele que é o seu potencial.

 

Moçambique é um país de extensas riquezas naturais, com abundantes rios, minérios, petróleo e gás natural, que lhe logram condições endógenas únicas para o seu desenvolvimento. Destarte, as condições macroeconómicas e políticas, regionais e de nível mundial, não têm oferecido o mesmo favor com que a natureza agraciou aquele território e aqueles povos.

 

A década de 2020 a 2030 é uma década fundamental para o globo em geral, e para Moçambique em particular. O globo corre em contratempo para o cumprimento do Acordo de Paris, procurando conter o aquecimento global a uns 1,5 ºC, quando comparado com níveis pré-industriais, que permitam a continuidade da vida humana no planeta Terra, necessitando para tanto de reduzir as emissões globais em cerca de 50% até 2030. Ao mesmo tempo, Moçambique tem a necessidade de atingir o seu potencial como grande nação Africana, assegurando as condições de desenvolvimento económico social, demográfica e ambientalmente sustentável.

 

O abandono global e progressivo do petróleo e do gás natural, recursos abundantes em Moçambique, como fonte de energia, a benefício de ganhos para o ambiente global e em linha com os objetivos globais de descarbonização, implicam um novo desafio para Moçambique - país onde 43,1 % das exportações correspondem a produtos do petróleo. Moçambique precisará, assim, de nas próximas décadas se transfigurar, convertendo-se num estado exportador de outros produtos, de valor acrescentado e com interesse para uma economia global descarbonizada.

 

As características do sistema energético Moçambicano têm intensas peculiaridades, que importa notar. O sistema elétrico nacional Moçambicano, com uma baixa taxa de penetração de entre a sua população, na ordem dos 31 % em 2020 (IRENA, 2022), tem uma intensidade carbónica baixa, com uma penetração de fontes de energia renovável para a produção de energia elétrica de 79 % em 2021 (IRENA, 2022). O mix energético é fortemente hídrico, com uma pequena componente de biomassa, sem que haja presença expressiva de qualquer outra fonte energética na produção de energia elétrica.

 

Já o consumo energético total exibe um comportamento muito diferente, com o petróleo e o gás natural, mormente em utilizações no setor dos transportes e em setores industriais, a assumirem uma presença mais relevante de 24 % da totalidade do consumo energético. Mais relevante, na componente renovável, é a inversão da tendência, com uma dominância quase absoluta (96 %) da biomassa sobre todas as demais fontes de energia renovável. Tal comportamento é explicável pela baixa eletrificação, dependendo a população – a principal categoria consumidora de energia - da biomassa para a generalidade das suas necessidades energéticas, como a alimentação, o aquecimento e a iluminação (IRENA, 2022).

 

O potencial nacional Moçambicano é muito considerável. A nação, de resto, reconhece-o: com uma autossuficiência energética de 187 % e uma balança energética fortemente exportadora, não só no setor do petróleo e gás natural, mas também no setor elétrico, estes setores têm suportado em grande medida o desenvolvimento económico e social de Moçambique, tendo importância estratégica nacional.

 

O potencial fotovoltaico do território é muito relevante, tendo as condições na maioria do território altos potenciais produtivos de energia fotovoltaica, mesmo quando consideradas as limitações decorrentes quer da orografia do território, quer das restrições ambientais e agrícolas preexistentes (World Bank Group, 2023), sendo superior à mediana mundial (IRENA, 2022). Outras fontes de energia renovável são abundantes - não se contando entre elas, no entanto, o desenvolvimento de projetos eólicos de larga escala, atendendo ao escasso recurso eólico a altitudes consideráveis para assegurar a viabilidade económico-financeira desse setor.

 

Os ganhos potenciais de uma aposta na produção fotovoltaica são reconhecidos pelo próprio Governo de Moçambique, estando em vigor uma moderna e completa Estratégia de Desenvolvimento de Energias Novas e Renováveis para o Período de 2011 – 2025 (a ENEDR). A resiliência da Estratégia à passagem do tempo é testemunho da sua qualidade e da visão do Governo de Moçambique quanto à prospetiva do mercado energético. Focada numa visão holística e interseccional, a ENEDR lançou para o período estratégico metas e objetivos ambiciosos, mas coerentes e atingíveis, com vista a vetores lógicos e necessários para o desenvolvimento humano e económico em Moçambique: o aumento do acesso a eletricidade pela população, a produção de energia elétrica renovável e virada para o futuro, e uma sempre presente preocupação com a eficiência energética como ferramenta para a supressão de custos desnecessários.

 

Quanto ao primeiro dos vetores, a estratégia observa intensos princípios de racionalidade económica, entendendo que o vasto território de Moçambique, com as suas particulares características de distribuição demográfica, exigiriam um esforço economicamente irracional para o lançamento e expansão da Rede Elétrica Nacional para níveis de cobertura quase-absoluta da população. As alternativas tecnológicas hodiernas permitem-nos encarar a solução de forma diferente, com recurso a micro-grids (mini-redes), verticalmente integrados entre a produção e a distribuição ao cliente final, representando maior proximidade e eficiência energética a custos mais baixos. Ademais, ainda que a construção e operação de micro-grids seja, para o território em que se insere, um monopólio legal e económico com características lógicas – não sendo comum a permissão de concorrência, no mesmo local, de duas redes em simultâneo -, permite a definição de concessões suficientemente pequenas para que a concorrência efetivamente se apresente, melhorando a qualidade de serviço e o preço final a pagar pelo consumidor, tudo sem onerar o erário público com o desenvolvimento de infraestruturas públicas, beneficiando ainda o território e o ambiente ao diminuir a intensidade da obra a realizar.

 

É importante notar que o legislador já deu corpo legislativo a essa necessidade do território e das populações, ao aprovar o Decreto n.º 93/2021, de 10 de dezembro. O Decreto, moderno e com preocupações acertadas sobre o modo de funcionamento das mini-redes, debruçando-se em grande medida na necessidade de assegurar, a par da entrega de um produto de qualidade ao cliente final, a estabilidade e justa remuneração ao investidor, elemento essencial para atração de capital. O setor necessita, agora, do lançamento dos concursos públicos: as melhores práticas internacionais têm revelado máximo sucesso com o lançamento de um calendário prévio, assegurando previsibilidade aos esforços e investimentos dos promotores interessados.

 

Os benefícios para as populações locais são evidentes, aumentando o acesso a informação, a serviços básicos como água e saneamento, e permitindo a disseminação de soluções tecnológicas de baixo custo e consumo que permitem ganhos de saúde, bem como de segurança alimentar. Os serviços de fornecimento de energia elétrica são conciliáveis e rentabilizáveis com outros serviços acessórios, em particular com os fornecimentos dos próprios equipamentos consumidores, assegurando de forma economicamente eficiente e suportável pelos consumidores finais a sua adesão aos serviços e sistemas energéticos.

 

Também não pode ser desprezado o impacto social transformador da eletrificação das comunidades. A ENEDR estabelece como prioridade, para além de assegurar a sustentabilidade ambiental e económica da Sociedade Moçambicana, a necessidade de abordar assuntos transversais – o género, o HIV/SIDA, o Ambiente, a Eficiência Energética e a Segurança Alimentar -, todas devendo tomar parte da decisão de atribuir a concessão, e do plano de negócios do investidor.

 

O potencial económico transformador destes serviços e mini-redes é muito significativo. Ao permitirem a eletrificação de pequenas indústrias, habilitam os empreendedores e as suas comunidades a transformar a sua produtividade industrial, a níveis que permitem esquemas de repagamento dos investimentos globais acelerado – muitas vezes numa ordem de grandeza de meses (Booth, 2018). O exemplo máximo, ainda que simples, do potencial transformador destas comunidades encontra-se na avicultura: a presença de uma incubadora de ovos permite um aumento da produção de aves (por ave reprodutora) de 20 para 300 unidades, assegurando maior abundância sustentável para as comunidades em torno, e retornos financeiros seguros para o empreendedor.

 

Por outro lado, estudos científicos têm indiciado o potencial transformador da eletrificação das comunidades na integração da mulher no tecido económico formal (Giz and EUEI-PDF, 2013), indiciando que os benefícios para a iluminação – e, consequentemente, o número de horas produtivas de todas as cidadãs e cidadãos – aumentam a probabilidade de emprego pago, em horário laboral ordinário, para as mulheres de entre 9% a 23%. A participação das mulheres no tecido económico e produtivo da sociedade Moçambicana é determinante para acelerar o desenvolvimento económico, como reconhecido por todas as estratégias nacionais de desenvolvimento – e a eletrificação é uma importante ferramenta para a atingir.

 

Os investimentos do futuro não se podem, no entanto, bastar com a eletrificação dos locais de vida das populações: o caminho inexorável rumo à descarbonização global, com a substituição de fontes de energia, introduzirá outros complexos desafios à economia de Moçambique que, como se viu, se encontra fortemente dependente das suas exportações petrolíferas e gasistas.

 

A abundância de infraestruturas portuárias, adequadamente preparadas para o bunkering de produtos petrolíferos, é um ativo importante para o futuro – e a sua posição geoestratégica coloca Moçambique numa posição ideal para um contributo relevante e de elevado valor acrescentado na cadeia de valor dos novos combustíveis verdes.

 

Ainda que por todo o globo a eletrificação, acompanhada da descarbonização da produção de energia elétrica, sejam encarados como a principal ferramenta da década em que nos encontramos, abundam setores energeticamente intensivos cujos consumos e necessidades não são descarbonizáveis. São exemplos desses setores o cimenteiro, vidreiro e das cerâmicas, componentes essenciais da vida moderna que, para atingirem o desígnio da descarbonização, necessitam de soluções técnicas e tecnológicas alternativas à eletrificação.

 

O hidrogénio verde, renovável, produzido através da eletrólise da água recorrendo a energia elétrica renovável, tem sido encarado como a peça-chave para o desbloqueio da descarbonização nesses setores. Tratando-se de tecnologias estabilizadas e bem conhecidas, ainda com potencial de evolução que levem a ganhos de eficiência e produtibilidade, a produção de hidrogénio verde encontra-se num ponto ideal para a primeira abordagem à sua adoção.

 

O mercado do hidrogénio já tem grande relevância a nível mundial, sendo um reagente e componente em muitos processos produtivos industriais, apresentando uma tendência crescente. A Agência Internacional de Energia (International Energy Agency, 2022) prevê um crescimento superior a 26 % na procura global deste elemento até ao final da década. A par, e como temos vindo a mencionar, a necessidade global de assegurar meios hábeis de descarbonizar os processos e produtos implica a necessidade de abandonar as bem disseminadas formas de produção de hidrogénio em uso no presente, dependentes de gás natural, substituindo-as por outras mais sustentáveis.

 

Atendendo à relevância do custo de produção de energia elétrica na produção economicamente rentável de hidrogénio verde, Moçambique ganha um novo destaque potencial neste mercado. Com um Levelized cost of electricity médio para a produção solar fotovoltaica muito baixo, na ordem dos 10 USD/MWh (World Bank Group, 2023) e experiência e capacidade instalada portuária para estimular a exportação de hidrogénio e de produtos derivados do hidrogénio-, tão necessários à descarbonização das economias industrializadas mundiais – como a amónia verde e os combustíveis sintéticos derivados de hidrogénio -, Moçambique tem uma oportunidade de ouro para aumentar a sua resiliência à transição energética.

 

O Direito Moçambicano naturalmente carecerá de extensas adaptações para a preparação para estas indústrias. Atravessamos um momento em que a comunidade jurídica e financeira internacional ainda debate como poderão estes produtos, e o seu valor acrescentado adicional atendendo às suas características particulares de sustentabilidade, ser transacionados num mercado global evitando a fraude e fomentando a rastreabilidade, como forma de assegurar o contributo definitivo destas medidas para os objetivos do Acordo de Paris; mas tal não impede que, desde já, Moçambique se coloque como uma peça-chave na indústria e nas intenções de investimento globais para este setor.

 

O setor do hidrogénio verde e dos seus derivados encontra-se ainda numa fase jovem, em rápido desenvolvimento. É por esse motivo que o hidrogénio não vem mencionado nem desenvolvido como uma aposta de futuro na ENEDR – mas o Governo Moçambicano deve encarar este setor como uma possibilidade de aproveitar os abundantes recursos endógenos sustentáveis que o território tem para suster os impactes que a transição energética poderão causar na balança económica Moçambicana.

 

Uma revisão da ENEDR – a visão setorial para 2026 em diante – deverá considerar todos estes impulsos que o mercado mundial tem sinalizado, garantindo um futuro mais próspero para Moçambique. Os parceiros habituais de Moçambique, com Portugal numa posição de liderança, com a sua extensa experiência em particular nas energias renováveis, estarão cá para apoiar a Nação e os seus povos num caminho a uma economia mais sustentável, com melhor qualidade de vida, e inserida num mercado global de futuro.

 

Rui Ferreira de Almeida, Associado Sénior da Abreu Advogados

 

Referências

  • Booth, S. e. (2018). Productive use of energy in african micro-grids: Technical and Business considerations. National Renewable Energy Laboratory.

  • Giz and EUEI-PDF. (2013). Productive Use of Energy — PRODUSE. Measuring Impacts of Electrification on Small and Micro-Enterprises in Sub-Saharan Africa. Eschborn, Germany: EUEI PDF.

  • International Energy Agency. (2022). Global Hydrogen Review.

  • IRENA. (2022). Energy Profile, Mozazmbique. IRENA.

  • World Bank Group. (2023). Global Photovoltaic Power Potential, Country Factsheet, Mozambique. World Bank Group.

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