Este artigo é o segundo de uma série de quatro, a ser lançada ao longo do ano, numa parceria entre a JLA Advogados e a Abreu Advogados, dedicada especialmente a assuntos energéticos em Moçambique.
Ao longo deste ano, exploraremos o mercado atual de Moçambique, as oportunidades no setor energético para Moçambique, o efeito do aumento da atividade no setor energético no crescimento económico, respostas políticas às necessidades das pessoas e das empresas de Moçambique e caminhos para que Moçambique assuma uma posição de liderança no setor energético em África, cumprindo o seu potencial.
A energia é o motor que impulsiona as economias. A escassez de energia compromete o crescimento econômico, os investimentos e a criação de empregos.
Estima-se que a escassez de energia custe anualmente de 2% a 4% do PIB da África. Dados recentes mostram que mais de 645 milhões de africanos não têm acesso à eletricidade, enquanto o consumo de energia per capita na África Subsaariana é o mais baixo de todos os continentes (O Novo Pacto Energético para África 2016-2025).
Por sua vez, as causas de morte da população e o baixo desempenho das crianças estão relacionados principalmente com esse contexto. Cerca de 600.000 africanos morrem anualmente devido à poluição do ar em ambientes internos associada ao uso de combustíveis para cozinhar, na maioria das vezes mulheres e crianças, enquanto mais de 90 por cento das escolas primárias da África carecem de eletricidade.
Uma triste contradição, considerando que a África é rica em recursos energéticos.
Moçambique não é exceção. Não pode alimentar lares e empresas a menos que desbloqueie esse enorme potencial de energia renovável e o combine com energia convencional.
Entre vários fatores que limitam a escala e velocidade com que a energia é gerada e distribuída no país, a falta de financiamento inovador e apropriado para projetos viáveis é definitivamente um dos mais elevados.
Os projetos de energia renovável estão a ganhar aceleração no mercado. Como projetos intensivos em capital, dependem amplamente de apoio financeiro.
Credores e investidores estão interessados em compreender a abordagem risco-retorno. A disposição dos bancos e dos promotores de projetos para financiar o desenvolvimento de energias renováveis dependerá em grande parte da viabilidade do projeto. A avaliação de especificidades económicas mensuráveis e parâmetros de risco-retorno deve enfatizar a confiança no sucesso do projeto.
Quando os riscos não são devidamente alocados durante a fase de conceptualização de um projeto, a consequência final é a incapacidade de encontrar investidores e credores.
Existe muita vontade e capital privado disponível para preencher a lacuna financeira no país, especialmente quando se considera um universo muito maior de investidores privados para além dos investidores institucionais. No entanto, as preocupações com a viabilidade continuam a limitar a implantação de capital em projetos de energia em todo o país. Essas preocupações estão principalmente relacionadas com riscos de governança, políticos, regulatórios, ambientais, climáticos e sociais.
Para garantir que as oportunidades que Moçambique tem para oferecer sejam maximizadas, os esforços do Governo de Moçambique para reduzir esses riscos serão cruciais.
À medida que os investidores passam do interesse para a ação e entram no mercado energético de Moçambique, a sua abordagem será definida à luz do cenário regulatório e dos instrumentos disponíveis que podem garantir que os investimentos sejam viáveis e reduzam os riscos.
Apesar do crescimento notável e da consolidação de políticas favoráveis no setor energético nos últimos anos, as capacidades de Moçambique podem ser ainda mais melhoradas através de novas políticas energéticas, regulamentos, sistemas de incentivos, bem como do aumento da governança corporativa, transparência e responsabilidade.
Mobilizar capital adicional e escalar o financiamento de energia requer mecanismos inovadores, ao mesmo tempo que se incentivam partes interessadas públicas e privadas a desenvolver projetos viáveis e a criar condições para fluxos financeiros.
Para preencher a lacuna no setor de energia e na infraestrutura associada, o governo de Moçambique precisará de apoio contínuo do setor privado.
Incentivos financeiros e subsídios podem estimular investimentos, garantindo que o custo da eletricidade gerada atinja taxas de retorno atrativas e proporcione economias de escala tão necessárias, assim como o agendamento de concursos públicos, garantindo previsibilidade aos esforços e investimentos de promotores interessados.
Como destacado no primeiro artigo desta série de quatro, as micro-redes verticalmente integradas e o setor de hidrogénio verde e seus derivados podem ser os vetores que mostram maior potencial ao considerar a alocação de incentivos públicos e apoios.
Atrair capital nacional e internacional para financiamento inovador no setor energético de África e apoiar os países africanos no fortalecimento de políticas energéticas, regulamentação e governança do setor está entre os princípios subjacentes ao Pacto Energético para África estabelecido pelo Banco Africano de Desenvolvimento.
O African Economic Outlook de 2023 (“AEO”) foi dedicado à mobilização de financiamento do setor privado para o clima e crescimento verde em África.
De acordo com o AEO 2023, estima-se que o financiamento do setor privado precise de crescer 36% anualmente até 2030 para colmatar o défice de financiamento climático do continente, avaliado em média em US$ 213.4 biliões por ano, com base nas mais recentes Contribuições Nacionalmente Determinadas apresentadas pelos países africanos.
É também destacado que as necessidades de financiamento climático no continente africano estão estimadas em US$ 2.8 biliões entre 2020 e 2030, ou seja, US$ 250 biliões por ano. Assim, é essencial mobilizar fontes alternativas de financiamento, , que devem vir tanto de fontes públicas quanto privadas.
Portanto, será necessário que Moçambique incentive as instituições financeiras a redirecionar os fluxos de capital para investimentos sustentáveis, para garantir o financiamento necessário para a transição climática e o crescimento sustentável e inclusivo. Além disso, a transparência e uma visão de longo prazo das atividades económicas e financeiras devem ser promovidas.
No entanto, aumentar a atratividade de Moçambique para investidores no país já é uma prioridade nacional do seu governo.
Em breve, entrará em vigor a Lei n.º 8/2023, de 9 de junho, que estabelece o regime jurídico aplicável aos Investimentos Privados nacionais e estrangeiros elegíveis para usufruir de garantias e incentivos fiscais e não fiscais, revogando o regime que estabelecia o paradigma nacional de investimento desde 1993.
A revisão realizada teve como objetivo privilegiar e garantir maior participação e tratamento das iniciativas privadas, tanto de origem nacional como estrangeira, destacando a necessidade de garantir o respeito pelas garantias concedidas aos investidores, bem como os compromissos e acordos internacionais de investimento assumidos pelo país.
Entre muitas medidas positivas, deve ser observado que uma das principais entidades reguladoras sobre este assunto foi suprimida, enquanto o interesse público foi estabelecido como a única base legalmente aceite para determinar expropriações, impondo a não proteção entre investidores nacionais e estrangeiros e o direito a uma compensação justa correspondente ao valor de mercado real dos investimentos expropriados.
Além disso, esta lei introduz o princípio de Tratamento Justo e Igual, impedindo a realização de procedimentos adicionais e arbitrários destinados a garantir o pagamento da compensação devida no caso de falta de acordo por parte do Estado quanto ao montante a ser pago.
Com efeito, e embora não aplicável a certos investimentos realizados ou a serem realizados sob legislação específica, a Lei de Investimento Privado prevê inovações há muito reivindicadas, entre as quais a não discriminação e o tratamento igualitário entre investidores nacionais e estrangeiros, o reforço de garantias e medidas para proteger os direitos de propriedade e outros direitos de propriedade dos investidores.
Numa perspetiva setorial, a recente revisão da Lei de Eletricidade em 2022, que revogou a lei anterior de 1997, e a Estratégia Nacional de Eletrificação de 2019 são também bons exemplos de alguns dos passos dados para um cenário regulatório mais atrativo no setor energético.
Por outro lado, o Código de Energias Renováveis define o conjunto de requisitos técnicos para a ligação à rede de Centrais de Energias Renováveis, o conjunto de princípios para verificar a conformidade ao longo da sua vida útil e as condições e princípios técnicos a serem respeitados sob o ponto de vista da Gestão do Sistema Nacional de Eletricidade de Moçambique.
Este Código será fundamental para os objetivos de desenvolvimento sustentável, transição energética, eficiência e fiabilidade do Sistema Nacional de Eletricidade nesse país.
Também facilitará a integração da geração a partir de fontes renováveis, garantindo a qualidade e segurança da Rede Elétrica Nacional, a expansão harmoniosa do Setor de Eletricidade de Moçambique, o reforço do papel de Moçambique no sistema elétrico do Sul de África e o 'Southern African Power Pool' (SAPP) e investimentos privados no setor.
Existem algumas reformas importantes em curso que devem contribuir de forma muito positiva para atrair capital, como a revisão da estratégia elétrica e da lei de parcerias público-privadas.
O Governo de Moçambique também precisará de harmonizar vários regimes legais em vigor com o novo paradigma estabelecido na lei de investimento privado, dada a sua abrangência intersectorial, nomeadamente a Lei de Terras, a Lei do Trabalho e o Regulamento dos Mecanismos e Procedimentos para a Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira, entre outros.
Não há espaço para complacência. Um período de estabilidade legal, regulatória e política ainda precisa acompanhar as mudanças recentes para garantir que avance corretamente.
Agora é a hora de os investidores privados renovarem as suas estratégias regionais, assumindo riscos na construção das suas capacidades locais para garantir que beneficiem das oportunidades que o país tem a oferecer.
João Lupi, Associado Sénior na Abreu Advogados
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Banco Africano de Desenvolvimento (2023). Perspetivas Económicas Africanas.
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Banco Africano de Desenvolvimento. Prioridade estratégica High5 - 'Acender e Energizar África'.
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Booth, S. e outros (2018). Utilização produtiva de energia em micro-redes africanas: Considerações técnicas e empresariais. Laboratório Nacional de Energias Renováveis.
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Agência Internacional de Energia (2022). Revisão Global do Hidrogénio.
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Estratégia do Grupo do Banco para o Novo Pacto Energético para África 2016 - 2025