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Créditos De Carbono em Moçambique

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1. Contextualização

Os créditos de carbono representam uma inovação fundamental na busca por soluções para os desafios globais da mudança climática. Num mundo cada vez mais consciente da necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar os impactos das atividades humanas sobre o clima, os créditos de carbono emergem como uma ferramenta eficaz e flexível. Essa abordagem, que combina o mercado financeiro com a conservação ambiental, permite que empresas, governos e indivíduos compensem suas emissões de carbono ao investir em projetos de redução ou remoção de emissões em outros lugares do mundo.

Este conceito de crédito de carbono surge do Protocolo de Kyoto de 1997, que adiante analisaremos. Este crédito de carbono é a moeda utilizada no mercado de carbono, equivalendo um crédito a uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida para a atmosfera.

Moçambique, como muitos países em vias de desenvolvimento, enfrenta desafios substanciais relacionados às mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, ameaçam a segurança alimentar, a infraestrutura e a estabilidade económica do país.

Neste contexto, os créditos de carbono representam uma área de crescente interesse e importância, à medida que o País procura equilibrar o desenvolvimento económico com a mitigação das mudanças climáticas.

Um exemplo notável desta preocupação, é a promoção das  Energias Novas e Renováveis, especialmente a energia hidrelétrica, eólica e solar, como forma de reduzir a dependência de combustíveis fósseis. A construção de parques eólicos, usinas de energia solar e a expansão das capacidades hidrelétricas contribuem para a redução das emissões de carbono e para o fornecimento de eletricidade acessível e limpa à população.

Num marco notável, a 15 de outubro de 2021, Moçambique tornou-se o primeiro país a receber pagamentos de um fundo fiduciário do Banco Mundial voltado para a redução das emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal, conhecido como REDD+. O programa REDD+ representa uma abordagem inovadora que visa preservar as florestas tropicais, essenciais na absorção de carbono, enquanto apoia o desenvolvimento sustentável das comunidades que dependem dessas florestas.

No entanto, Moçambique enfrenta também desafios na implementação eficaz de projectos de créditos de carbono, incluindo a necessidade de infraestrutura, financiamento e capacitação técnica. Além disso, as questões de governança e a gestão adequada dos projectos são fundamentais para garantir a integridade ambiental e social.

Este artigo pretende apresentar e analisar a legislação específica de Moçambique em relação aos créditos de carbono, destacando como é que estas leis e regulamentações governamentais influenciam a participação do País no mercado de carbono global e como fomentam o investimento em projectos de mitigação de emissões. Além disso, examinaremos os desafios e as oportunidades que a legislação atual apresenta, bem como possíveis caminhos para seu aprimoramento.

2. Surgimento de Créditos de Carbono

A questão dos Créditos de Carbono está intrinsecamente ligada ao contexto internacional e aos tratados climáticos que procuram lidar com as mudanças climáticas a um nível global. Em Moçambique, como em muitos outros países, a regulamentação dos Créditos de Carbono ainda não está totalmente estabelecida na legislação nacional. Para compreender adequadamente essa dinâmica, é crucial uma abordagem que assente no cenário internacional, com destaque para o Protocolo de Kyoto.

As mudanças climáticas e o subsequente aquecimento global surgiram como preocupações já na década de 1980, porém, apenas recentemente têm sido amplamente reconhecidas como um problema que requer atenção urgente. Isso deve-se ao crescente entendimento dos impactos ambientais e socioeconómicos significativos que estão na ordem global.

Foi neste contexto que foi assinado em 1997, o Protocolo de Kyoto, enquanto componente da Convenção Marco sobre Mudança Climática na ECO-92, que contém, pela primeira vez, um acordo vinculativo que compromete os países do Norte a reduzir as suas emissões.

Este Protocolo tem por objetivo proporcionar o primeiro passo na transição da comunidade internacional da sua actual economia energética com utilização intensiva de combustíveis fósseis para uma mais neutra em termos de carbono, com o objetivo de alcançar a estabilização das concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera a um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa no sistema climático.[1]

Por seu turno, o Acordo de Paris, do qual Moçambique é Parte desde 2019, estabelece que as Partes devem cooperar voluntariamente para o alcance das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (“NDCs”)[2]. Na sua essência, esta cooperação tem sido concretizada no âmbito das Conferência das Partes, aguardando-se com expetativa o resultado da COP 28 que se encontra atualmente a decorrer.

Neste quadro, o artigo 6.º possibilita a criação de regras, modalidades e procedimentos capazes de implementar um mercado de carbono. Este mecanismo, na prática, permite que países possam transferir créditos de carbono obtidos através da redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para apoiar outros a cumprir com as suas metas determinadas.

Como parte dos esforços para reduzir emissões de gases para atmosfera, tendo por base o Protocolo, os Estados celebraram Tratados internacionais que visam estabelecer quotas para a quantidade de gases com efeito de estufa que os países podem produzir, o que, por sua vez, estabelece quotas para as empresas, criando para o efeito, instrumentos como os créditos de carbono e a compensação de carbono para melhorar o cenário, incentivando as empresas a serem mais respeitadoras do ambiente na condução das suas actividades. Um crédito de carbono permite que uma tonelada de dióxido de carbono ou uma quantidade correspondente de outros gases com efeito de estufa seja descarregada na atmosfera.[3]

Portanto, os créditos de carbono surgem como uma forma de quantificar a redução das emissões de GEE em toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), são gerados a partir de projetos ou atividades que reduzem as emissões de GEE em relação a um cenário de referência.

3. Mercados de carbono

É neste contexto que surgem os mercados de carbono. 

O termo mercados de carbono refere-se ao processo de compra e venda de créditos de carbono, permitindo às empresas, aos governos e a outras organizações a aquisição e a venda de créditos de carbono como forma de compensar e reduzir as suas emissões de carbono, sendo atribuído um preço a cada tonelada de CO2.

Ao atribuir um preço à poluição, os mercados de carbono penalizam financeiramente aqueles que emitem mais do que uma quota estabelecida e recompensam aqueles que emitem menos. A fixação de um preço ao carbono é considerada como uma das principais ferramentas de combate às alterações climáticas.

Os mercados de carbono incentivam o desenvolvimento de tecnologias inovadoras de energia limpa, tornando-as mais competitivas em relação às suas congéneres que consomem mais carbono.

Existem dois tipos de mercados. Os mercados de compliance, consubstanciam-se em mecanismos de regulação criados pelos Estados que impõem aos poluidores um esquema de pagamentos pelas emissões poluentes.

Este mecanismo visa regular as emissões, de acordo com os objectivos estabelecidos no Protocolo de Kyoto, e, ao mesmo tempo, conduzir à sua redução, através de um incentivo à eficiência resultante da fixação de um preço por cada emissão adicional.

Nestes mercados de natureza obrigatória, os participantes são obrigados a integrar o mercado e a cumprir as metas de redução determinadas. Um dos exemplos mais relevantes de mercado de compliance é o Comércio Europeu de Licenças de Emissão (“CELE”).

O CELE assenta num princípio geral de cap-and-trade, alocando um número determinado e limitado de quotas de emissão por país e indústria que não poderá ser ultrapassado (“cap”). Após a distribuição das licenças, os titulares de licenças excedentárias ou não utilizadas poderão negociá-las ou vendê-las em mercado aos operadores que necessitem de ultrapassar as licenças de emissão que lhes foram atribuídas, ou aos demais investidores em geral (“trade”).

Nestes mercados obrigatórios, os compradores de créditos de carbono são incentivados pela obrigatoriedade de respeitar os limites de emissões pré-determinados. Como tal, são forçados a adquirir licenças de emissão por cada tonelada de CO2 que ultrapassem as emissões que lhes foram atribuídas, e, portanto, procuram cumprir essas obrigações ao menor custo possível.

A atribuição de um preço à poluição se consubstancia numa ferramenta adequada a incentivar as organizações a emitirem menos e os poluidores são compelidos a considerar novas opções: ou aceitam os custos da poluição, ou alteram os processos produtivos e/ou diminuem os respetivos consumos de energias.

Em contraposição, os mercados voluntários permitem um encontro voluntário da procura e oferta. A procura é frequentemente movida por motivos reputacionais, marketing ou responsabilidade social corporativa.

Os mercados voluntários de carbono incidem sobre projectos de redução de emissões de GEE[4] e de sequestro de carbono[5] que promovam a mitigação de emissões de GEE. Neste quadro, temos como agentes principais do mercado voluntário de carbono os promotores de projectos de mitigação de emissão de GEE os adquirentes dos créditos de carbono.

Neste sentido, os mercados voluntários de carbono permitem incentivar e canalizar investimentos do sector privado para a transição sustentável da economia, complementando o esforço público no combate às alterações climáticas.

Merecem destaque as entidades responsáveis pela certificação, que assumem um primordial papel nos mercados voluntários de carbono. Estas entidades deverão ser, idealmente, verificadores externos e independentes, e o sucesso do mercado dependerá, em larga medida, da sua eficácia,

Finalmente, poderá ser fixado pelos governos ou pelos reguladores, ou, em oposição, consistir num valor definido pelo próprio mercado, consoante estejamos sob a presença de um mercado de compliance ou de um mercado voluntário, respectivamente.

 

4. Overwiew dos Créditos de Carbono na Legislação Moçambicana

Em Moçambique, a regulamentação relativamente aos Créditos de Carbono, encontra-se ainda “deserta”, conforme pontuado anteriormente. A Lei até ao momento preocupa-se apenas em tratar da questão relativa ao comércio dos Créditos de Carbono.

Primeiramente, é necessário apontar que a primeira menção a este instrumento, encontra-se no Regulamento que Estabelece o Regime Tarifário para as Energias Novas e Renováveis (REFIT), aprovado por Decreto n.º 58/2014 de 17 de Outubro, concretamente no seu artigo 17, que estabelece que “os créditos de carbono decorrentes do desenvolvimento de projectos de energias novas e renováveis constituem propriedade do Estado, podendo o Governo, na sua exclusiva descrição, repartir os ganhos numa proporção pré-negociada, se este considerar que essa partilha pode constituir um incentivo para determinado produtor independente com experiência no mercado de créditos de carbono.”

É neste sentido que o Regulamento da Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica[6], aprovado por Decreto n.º 89/2017, de 29 de Dezembro,  vem consagrar no seu artigo 128 que no processo de comercialização de créditos de carbono, deve atender-se: (i) o direito de uso e aproveitamento de estoques de carbono existentes numa área de conservação e na sua respectiva zona tampão pertence à entidade que gere a respectiva área de conservação; (ii) comercialização de estoques de carbono deve ser feita de acordo com o referido na Lei, na forma de créditos de carbono negociado no mercado de carbono ou de outra forma de acordo com a legislação aplicável e vigente em Moçambique; (iii) a comercialização de créditos de carbono existentes numa área de conservação só pode ser feita mediante parecer favorável da entidade gestora da respectiva área de conservação.

Apesar de ainda deserto o nosso quadro legal em relação a este mecanismo de flexibilização, mostram-se pelo conteúdo de algumas normas, tal como do ponto (ii) anteriormente citado, o interesse cada vez maior pelo fomento da necessidade de acção para a mitigação de emissões através da participação no mercado de carbonos. É desta forma que o  Regulamento dos procedimentos para aprovação de projectos de demonstração que visam à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD+), aprovado por Decreto n.º 70/2023 de 20 de Dezembro, estabelece a necessidade de fixação do procedimento para a aprovação de projectos demonstrativos e de estudos relativos a REDD+, bem como a indicação das entidades competentes para o efeito. Nesta senda, preocupa-se este com a questão relativa a administração e controle da atribuição de benefícios bem como dos riscos de crédito de carbono, incumbindo tal responsabilidade a Unidade Técnica do REDD+, que deverá proceder nesta administração em conformidade com as directrizes.

Neste viés do fomento pela participação no mercado de carbonos tendo em vista a mitigação de emissões, reconhece este regulamento aos proponentes de projecto de demonstração o direito de comercializar créditos de carbono no mercado voluntário desde que se candidate a qualquer certificado  internacional de carbono voluntario normal reconhecido por Moçambique, bem como de transaccionar os créditos por si ou por interposta pessoa. Ainda neste diapasão, por forma a regular a prossecução deste mecanismo de flexibilização, especificamente, estabelece o regulamento a obrigação de  apresentar relatórios anuais de progresso, nos termos a fixar por Diploma Ministerial, a Direcção Nacional responsável pela Gestão Ambiental com conhecimento da Direcção Nacional responsável pela Gestão de Terra e Floresta, incluindo as contas auditadas nos termos do ano fiscal que segue e os relatórios dos créditos de carbono gerados pelo projecto.

Dado o verificável crescimento dos projectos de crédito de carbono no país, este tornou-se membro da Iniciativa Africana dos Mercados de Carbono e iniciou a elaboração de um Plano de Activação do Mercado de Carbono, com um grupo de trabalho a dar prioridade à produção de um quadro regulamentar abrangente e propício, ajudando a garantir a integridade ambiental dos projectos de carbono, permitindo que o país participe nos mercados internacionais de carbono, proporcionando clareza aos que desenvolvem projectos e aos compradores de carbono e, acima de tudo, garantindo que os projectos apoiem e beneficiem as comunidades locais e a população moçambicana em geral,

Pese embora a parte final do artigo 17.º do REFIT admitir que o Estado confira uma proporção dos créditos, discricionariamente, repartir os ganhos, caso considere que essa partilha dos lucros seja importante para o incentivo aos mercados de carbono, a reversão a favor do Estado dos créditos de carbono resultantes da implementação de Programas e Projectos REDD+ e, bem assim, do desenvolvimento de projectos de energias novas e renováveis prevista no atual quadro regulatório constitui um desincentivo aos promotores de projectos de mitigação das emissões participar nos mercados de carbono em Moçambique, limitando a respetiva proliferação.

 

5. Os créditos de carbono em termos materiais em Moçambique

 

No âmbito do Fundo de Carbono do Forest Carbon Partnership (FCPF), o organismo de validação e verificação ASTER Global procedeu à verificação do Programa de Gestão Integrada da Paisagem da Zambézia em Moçambique através de um processo robusto de validação e verificação desenvolvido pelo Banco Mundial com o apoio do Climate Focus, posteriormente implementado com o apoio do ANSI Accreditation Board, do qual ficou concluída a verificação de 2.040.904 ( Dois milhões, quarenta mil e novecentos e quatro) de reduções de emissões resultantes da redução de emissões por desmatamento, constituindo estas reduções os primeiros créditos de carbono a serem emitidos sob o Fundo de Carbono do Forest Carbon Partnership (FCPF) e a serem pagos por este fundo.

Foi ainda declarado pela ministra da Terra e Ambiente, a detenção, por Moçambique, de quarenta e cinco milhões de créditos de carbono que encontram-se disponíveis para negociação, tendo Moçambique, por forma a explorar o potencial do mercado de carbono, tornando-se membro da Iniciativa Africana dos Mercados de Carbono e iniciado a elaboração de um Plano de Activação do Mercado de Carbono que vai permitir a participação do país nos mercados internacionais de carbono e projectos que beneficiem comunidades locais.

 

6. Fontes de Consulta

  • Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho (Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica, alterada e republicada pela Lei n.º 5/2017, de 11 de Maio);

  • Decreto n.º 70/2023 de 20 de Dezembro (Aprova o  Regulamento dos Procedimentos para Aprovação de Projectos de Demonstração que visam à Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal);

  • Decreto n.º 89/2017, de 29 de Dezembro (Aprova o Regulamento da Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica);

  • Decreto n.º 58/2014 de 17 de Outubro (Aprova o Regulamento que Estabelece o Regime Tarifário para as Energias Novas e Renováveis);

  • Resolução n.º 10/2004, de 28 de Julho (Ratificação da adesão da República de Moçambique ao Protocolo de Kyoto (Quioto), relativo à Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas aprovado em Quioto (Japão), no dia 11 de Dezembro de 1997, durante a 3.ª Sessão da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas).

 

[1] FREEDMAN, Bill, STINSON, Graham, LACOUL, Paresh, Carbon credits and the conservation of natural

areas

[2] As Contribuições Nacionalmente Determinadas (“NDCs”) dizem respeito às contribuições que cada país se propõe a fazer para reduzir as suas emissões de GEE.

[3] GUPTA, Yuvika, Carbon Credit: A Step Towards Green Environment

[4] A redução de emissões de GEE corresponde tipicamente à quantidade de dióxido de carbono equivalente (CO2e) cuja emissão tenha sido evitada.

[5] O sequestro de carbono é tipicamente entendido como a remoção de CO2 da atmosfera e o seu armazenamento duradouro biológico, geológico e tecnológico.

[6]  Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, alterada e republicada pela Lei n.º 5/2017, de 11 de Maio.

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