Este artigo é o último de uma série de quatro, lançados ao longo do ano, numa parceria entre a JLA Advogados e a Abreu Advogados especialmente dedicada às questões energéticas em Moçambique.
Ao longo deste ano explorámos o atual mercado moçambicano, as oportunidades do sector energético para Moçambique, o efeito do aumento da atividade no sector energético no crescimento económico, as respostas políticas às necessidades das populações e empresas moçambicanas e os caminhos para que Moçambique assuma uma posição de liderança no sector energético em África, concretizando o seu potencial.
No rescaldo da Conferência das Partes 28 (“COP 28”), encerrada a 13.12.2023 e envolta em diversas polémicas, importa começar por tecer algumas considerações sobre a mesma.
Entre os acordos alcançados, merece destaque o compromisso assumido por 130 países de triplicar a capacidade de energia renovável em nível mundial e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030.
No entanto, os diferentes contributos de cada pais não foram quantificados, nem se delinearam meios concretos para a implementação do aumento perspetivado, o que motivou críticas de vários stakeholders.
Por seu turno, foi expressamente reconhecida a necessidade de aumentar o financiamento para mitigação das causas das mudanças climáticas e adaptação aos respetivos efeitos, sobretudo nos países em desenvolvimento.
A próxima oportunidade ocorrerá na COP29 que terá como anfitrião o Azerbeijão, também ele um importante produtor petrolífero.
E foi por esta ocasião que o Ministério dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique anunciou investimentos de 80 mil milhões de dólares no âmbito da Estratégia de Transição Energética a implementar até 2050, aprovada em reunião do Conselho de Ministros em 21 de novembro e onde são definidas as prioridades de Moçambique.
Os principais quatro pilares estratégicos traduzem-se na expansão significativa da capacidade de energia renovável, a promoção da industrialização verde, fomentar o acesso universal à energia e descarbonizar os transportes através de biocombustíveis, veículos elétricos e transporte ferroviário.
No período 2024 a 2030, o Governo moçambicano prevê adicionar 3,5 GigaWatts (GW) de nova capacidade hidroelétrica através da modernização das centrais existentes e da conclusão do projeto hidroelétrico Mphanda Nkuwa. A sua rede elétrica deverá igualmente expandir e ser modernizada para absorver o aumento da geração de eletricidade com origem em fontes de origem renovável.
Os projetos de energia solar e eólica continuarão a ser impulsionados através de um programa de leilões de energia renovável, reforçada pelas linhas de transmissão de energia eléctrica existentes e em construção para a África do Sul e Zimbabwe, perspetivando-se ainda uma ligação entre Moçambique-Zâmbia e Moçambique-Tanzânia.
Este documento representa um importante marco estratégico, a complementar e articular com as diferentes estratégias em vigor, revisões e novidades legislativas no setor energético.
Em concreto, o mesmo deverá ser articulado com o Plano Director Integrado de Infra-estruturas Eléctricas 2018-2043 (PDIIE), a Estratégia Nacional de Electrificação (ENE), o Programa Nacional de Energia para Todos (PNET) e a Estratégia da Eletricidade de Moçambique, E.P. 2018-2028 (EEDM).
O plano abrangente de 25 anos de desenvolvimento do sistema energético nacional para o período entre 2018 e 2043 constante do PDIIE prevê um crescimento exponencial na procura de eletricidade e na capacidade máxima instalada, bem como o aumento do número de casas eletrificadas de 1,3 milhões em 2017 para 4,6 milhões até 2043.
É na estratégia EEDM que são definidas as prioridades da EDM em matéria de política energética, para impulsionar o crescimento e posicionamento de Moçambique no mercado energético da região da África Austral, enquanto na ENE e PNET se preveem medidas para fornecer acesso a electricidade a mais de 10 milhões de moçambicanos até 2024.
Uma das iniciativas resultantes da ENE é o mecanismo de leilões de energias renováveis denominado Promoção de Leilões de Energias Renováveis (PROLER), que tem vindo a ser desenvolvido com sucesso. PROLER é um modelo de concurso público lançado em 2018, que promove investimentos privados no desenvolvimento de projetos solares e eólicos a serem ligados à Rede Nacional de Energia.
O programa de transformação é sustentado por planos de ação e de gestão detalhados, prevendo-se que, nos próximos dez anos, Moçambique tenha aumentado a capacidade de geração e transmissão e as exportações de energia. Espera-se, também, que mais de 80 por cento de moçambicanos tenham acesso à energia.
A reforma introduzida pela Nova Lei de Electricidade (Lei n.º 12/2022, de 11 de Julho) veio aprofundar este desígnio estratégico e aprofundar as condições para a abertura do mercado ao setor privado, incluindo os concursos lançados para a instalação e exploração de centrais hidroeléctricas e solares fotovoltaicas.
O acesso privado às actividades de produção e fornecimento de electricidade passou a ser garantido com maior amplitude e, embora dependendo de concessões estatais (incluindo sob a forma de parcerias público-privadas), deixou de estar subordinado aos interesses superiores do Estado, sem prejuízo da necessária salvaguarda dos interesses nacionais.
A novo modelo de organização geral do setor de energia eléctrica e o regime jurídico das actividades de fornecimento de energia eléctrica resultante desta reforma do sector eléctrico, propôs-se a adequar o quadro legal ao contexto social, técnica e financeira actual e aos objectivos de desenvolvimento sustentável, de transição energética e de acesso universal à energia de qualidade.
É por intermédio destas iniciativas políticas e legislativas que se vem dando os passos necessário à garantia de acesso crescente e universal de todos os utilizadores a energia elétrica de qualidade e fiabilidade, em especial de energias renováveis, e à continua electrificação do país, com uma aposta no autoconsumo, no armazenamento, na hibridização e nas mini-redes.
O procedimento simplificado para implementação de centros electroprodutores que utilizem fontes renováveis não-hídricas, cisto que as actividades de produção, armazenagem, transporte, distribuição e/ou comercialização, bem como a construção, operação e/ou gestão de instalações eléctricas, carecem de concessão.
A nova lei reitera a aposta nas mini-redes como a forma mais célere e eficaz de electrificação da maior área possível de Moçambique, especialmente nas comunidades remotas e nas zonas rurais não abastecidas pela rede elétrica nacional.
As mini-redes são sistemas integrados de produção, distribuição e comercialização de energia, podendo incluir armazenamento, que usem principalmente energia renovável, tenham potência instalada não superior a 10 MW e não estejam ligadas à rede eléctrica nacional. A rede eléctrica nacional pode expandir-se para o local em causa e integrar as mini-redes, mas com direito a compensação do concessionário da mini-rede.
As mini-redes são sujeitas a concessão, mas permite-se alguma flexibilização ao nível do conteúdo do contrato, estando ainda prevista uma isenção das taxas de concessão. Compete ao gestor do Sistema Eléctrico Nacional assegurar e manter atualizado um mapeamento das zonas passíveis de desenvolvimento de mini-redes.
Embora estivessem previstas em instrumentos de planeamento pelo menos desde 2018, foi só com o Regulamento de Acesso à Energia nas Zonas Fora da Rede (Decreto n.º 93/2021, de 10 de Dezembro), que o seu regime ficou concretizado, reiterando-se a aposta nas mini-redes como forma célere e eficaz de electrificação de zonas remotas.
Este regime legal veio a beneficiar de um recente desenvolvimento, com a aprovação do Plano de Electrificação das Zonas Fora da Rede (Resolução n.º 52/2023, de 14 de Dezembro) e definição das áreas objecto de concessão de mini-redes.
A concessão será em regra atribuída para uma única área. É estabelecida garantia de desempenho no valor máximo de 5% do valor do investimento, tendo em conta a categoria, dimensão e complexidade do empreendimento.
Por outro lado, a categorização das mini-redes permite que quanto menor seja a capacidade instalada mais simplificados sejam os procedimentos de atribuição da concessão e tramitação e instrução – incluindo contratos simplificados, isenção da licença de estabelecimento e de exploração para determinadas categorias.
Considerando o elevado nível de interesse inicialmente manifestado tanto pelas empresas privadas que operam atualmente nas Zonas Fora da Rede onde prestam serviços de energia, como pelos vários Programas de Desenvolvimento que apoiam o financiamento de iniciativas de desenvolvimento de projectos de mini-redes, o Governo determinou que a atribuição de concessões de mini-redes será feita através de um processo competitivo.
Este processo permitirá a seleção de investidores/promotores experientes e qualificados para desenvolver e operar projectos de mini-redes nas três províncias anteriormente mencionadas. O concurso será estruturado em duas fases (pré-qualificação e fase de proposta completa) e as mini-redes serão agrupadas em lotes.
O Governo moçambicano, através do Programa Quinquenal 2020-2024, elegeu como prioridades, entre outras, (i) aumentar a disponibilidade de energia, através do investimento público e privado em novas infra-estruturas de geração, com uma contribuição crescente das energias renováveis e (ii) continuar a expandir o acesso à eletricidade com particular enfoque nas zonas rurais e peri-urbanas, promovendo o uso produtivo e contribuindo para elevar o nível de acesso para 64%.
Tal como referido nos nossos artigos anteriores, Moçambique pretende duplicar a sua capacidade de produção até 2030 e ultrapassar a pobreza energética através da produção de energia renovável, associada a uma vasta carteira de investimentos em diferentes fontes de energia.
Os planos para alavancar o potencial hidroelétrico de Moçambique de mais de 12GW, com a vizinha África do Sul como um mercado-alvo chave e aumentar o potencial solar inexplorado, não menosprezam o potencial extraordinário das reservas nacionais de gás natural.
Com efeito, prevê-se que a expansão mais substancial do cabaz energético do país provenha do gás natural e que Moçambique se torne uma potência de gás durante a próxima década, reduzindo a dependência do país do petróleo e do petróleo importados, impulsionando o crescimento económico e aumentando a sua capacidade de exportação de energia.
Até 2030 cerca de 44% da eletricidade total de Moçambique deverá ser originada de centrais alimentadas a gás natural, de acordo com o programa Energia para Todos em Moçambique.
Ainda existe espaço para melhorias no quadro legal aplicável ao setor energético e à perspetivada neutralidade carbónica, designadamente no que tange a criação e dinamização do mercado de créditos de carbono atendendo à necessária compensação das emissões de Gases de Efeitos de Estufa que inevitáveis.
E tal como ocorre com soluções previstas na Nova Lei de Eletricidade, será ainda necessário aguardar pela regulamentação para a densificação e efetiva implementação das mesmas. A regulamentação do armazenamento e a venda de excedentes da eletricidade produzida e não consumida são alguns dos exemplos.
Em todo o caso, as bases já estão implementadas e Moçambique está agora no caminho certo no rumo à neutralidade carbónica e para reforçar a sua posição privilegiada como referência energética em África.
O desenvolvimento planeado das infra-estruturas energéticas, a par da aplicação e melhoria do enquadramento legal, das capacidades institucionais e de uma cuidadosa afetação de recursos, liderada por uma política energética sensata revelar-se-á fundamental.
João Lúpi, associado sénior na Abreu Advogados.